* Rodrigo Faria Bastos
O presente artigo tem como objetivo demonstrar as características do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol e suas especificidades. E, por esta razão ter a denominação de “contrato especial de trabalho”.
O atleta profissional de futebol encontra-se inserido na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) e sua atividade recebe como descrição sumária dos profissionais em competições e provas esportivas, participando coletivamente e em caráter profissional.
Assim, atleta profissional de futebol é aquele que pratica atividade esportiva profissional, fazendo dela sua fonte de subsistência.
A relação de emprego desses profissionais apresenta como traço distintivo dos demais trabalhadores à obrigatoriedade de cumprimento às regras estabelecidas na Lei 9.615/98, também conhecida como “Lei Pelé”.
Assim, após a celebração do contrato de trabalho, o atleta profissional de futebol (jogador) deve prestar serviços desportivos, sob a direção de uma agremiação esportiva (clube).
Nesse sentido, o eminente doutrinador Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga, preconiza que “Com efeito, o contrato de trabalho do atleta profissional é o negócio jurídico celebrado entre uma pessoa física (atleta) e clube, disciplinando condições de trabalho, algumas delas pré-fixadas na Lex sportiva, de forma onerosa e sob a orientação do empregador (clube)”.
Na lição de Sérgio Pinto Martins, “o empregador somente pode ser pessoa jurídica, ou seja, a associação civil, o clube. Não podendo, portanto, ser pessoa física. O clube deve estar inscrito na respectiva entidade estadual de administração do desporto e na Confederação Brasileira de Futebol. Qualquer irregularidade em relação à validade desta filiação não trará prejuízo para o contrato de trabalho do clube com seu atleta”.
Nesta senda, as disposições contidas na Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT e nas Leis gerais da Seguridade Social terão aplicação subsidiária ao contrato de trabalho desses profissionais, naquilo que houver omissão e desde que não haja nenhuma “incompatibilidade” serão assim aplicadas às disposições constantes da lei 9615/98 – Lei Pelé.
Diante disso, a Lei Pelé, em seu artigo 28, § 4º, fundamenta:
Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente:
(…)
- 4º Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei, especialmente as seguintes: (…)
Eventualmente, algumas disposições serão complementadas por Regulamentos da respectiva federação ou confederação desportiva.
O Grande Jurista Domingos Sávio Zainaghi, diz que: “Nas relações de trabalho dos atletas de futebol, face às peculiaridades desta profissão, existem institutos gerais do Direito do Trabalho que têm aplicação diferenciada quando aplicados a essa profissão”.
Logo, trata-se de contrato de trabalho bastante peculiar, com características próprias, o que vem a diferenciar dos demais contratos de trabalho de um trabalhador considerado “comum”, por possuir um regramento específico.
A seguir, vamos abordar as 09 principais particularidades do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol:
- Do vinculo de emprego
O vínculo de emprego nasce com a celebração do contrato de trabalho entre o atleta e a entidade desportiva.
A regra é que o contrato será sempre por prazo determinado, nunca inferior a 3 (três) meses e nunca superior a 5 (cinco) anos.
Art. 30. O contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos.
Necessário frisar que, em razão da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da COVID-19, fora editada a Medida Provisória 984 de 2020, em 18/06/2020, que dispõe no seu artigo 2º, que até 31 de dezembro de 2020, o período de vigência mínima do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol, de que trata o artigo 30 da Lei 9.615 de 1998, será de “trinta dias”.
Deverá sempre ser celebrado por escrito (expresso), sendo vedada a forma verbal, devendo também ser subscrito na Carteira de Trabalho e Previdência Social do trabalhador.
Com isso, não se aplicam ao contrato de trabalho do atleta profissional o acordo tácito, por prazo indeterminado e muito menos na forma intermitente contidos nos artigo 442 e 443 da CLT, por possuir características próprias.
Constará ainda, dentre outras questões, a função do atleta, a sua remuneração, o prazo do contrato e a jornada de trabalho. Será possível também adicionar cláusulas especiais, tais como confidencialidade, vedação à concorrência e exclusividade e outras.
- Do vinculo desportivo federativo
O vínculo de emprego, conforme já dito acima, nasce com a celebração do contrato de trabalho.
Já o vinculo desportivo é acessório ao vínculo de emprego, que vem a ser o direito do clube em registrar o atleta na federação a ele vinculada, que depois da análise, remeterá à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), para finalização do registro e publicação no BID, a partir daí possuindo o atleta condição legal de atuação.
Nesse sentido vejamos:
O contrato de trabalho do atleta deverá ser celebrado obrigatoriamente por escrito, sendo, pois, vedado o verbal, mas isso para os chamados efeitos federativos, ou seja, para o registro na federação/CBF, pois a FIFA determina que só tenha condições de jogo o atleta que tiver seu contrato de trabalho devidamente registrado nesses órgãos. Portanto, para efeitos trabalhistas, poderá existir um contrato de trabalho verbal. (ZAINAGHI, 2015, p.45)
- Remuneração
Pelos serviços prestados ao clube, o atleta recebe, normalmente, um salário, que se constitui em quantia fixa auferida periodicamente a título de contraprestação.
O atleta poderá receber também parte variável, composta pelas gratificações, prêmios e demais parcelas proporcionadas pelo contrato, tais como bicho, luvas, direito de imagem e do direito de arena.
- Da jornada de trabalho
O limite do tempo de trabalho do atleta deverá ser semanal e não mensal com isso não há que se falar em limite de 08 horas diárias, pois o limite será de 44 horas semanais.
Artigo 28, (…) § 4ª, VI – jornada de trabalho desportiva normal de 44 (quarenta e quatro) horas semanais.
- Dos períodos de concentração
Uma das especificidades do contrato do atleta é o do período destinado à concentração.
Na lição de Maurício Figueiredo Correa da Veiga, “O período destinado à concentração é de extrema e fundamental importância, pois se traduz de uma obrigação do atleta, inerente ao contrato especial de trabalho, consistindo na permanência do atleta e um local determinado pelo clube antes da realização de uma partida, com objetivo de preparar o atleta física e psicologicamente para a disputa”.
Que o período de concentração é obrigação contratual e não integra a jornada de trabalho para fins de pagamento de horas extraordinárias, desde que observado o “limite de 3 dias”, conforme dispõe a legislação.
Vejamos:
Artigo 28, (…) § 4º
I, – se conveniente à entidade de prática desportiva, a concentração não poderá ser superior a 3 (três) dias consecutivos por semana, desde que esteja programada qualquer partida, prova ou equivalente, amistosa ou oficial, devendo o atleta ficar à disposição do empregador por ocasião da realização de competição fora da localidade onde tenha sua sede; (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).
Para Alice Monteiro de Barros este período é inerente ao contrato do atleta, não gerando o pagamento de horas extras.
No nosso entender, o atleta fará jus aos acréscimos remuneratórios pelo tempo de concentração (3 dias), desde que haja prévia estipulação no contrato especial de trabalho desportivo ou por força de norma coletiva.
- Das Férias
Que o art. 28, §4, V da Lei Pelé, estabelece que o jogador de futebol profissional tenha direito a férias anuais remuneradas de 30 dias, acrescidos do abono de férias e coincidente com o período do recesso obrigatório.
Que a principal diferença entre o atleta e o trabalhador ordinário é a de que as férias devem coincidir com o recesso desportivo, que ocorre entre a segunda metade do mês de dezembro de um ano e a primeira metade de janeiro do ano seguinte.
Logo, registra-se que o empregador não detém a prerrogativa de escolher o período em que o empregado vai gozar as férias.
Assim, o artigo 136 da CLT não é aplicado ao atleta de futebol.
- Das cláusulas compensatória e indenizatória
Considerando tratar de um contrato por prazo determinado, nem o clube e nem o atleta podem encerrar o contrato antes do fim desse prazo, sem justa causa. Caso contrário, a parte que o fizer deverá pagar uma multa calculada com base no salário do atleta.
Quando o clube encerra o contrato antes do prazo, sem justa causa, deverá pagar uma multa prevista na cláusula compensatória. Essa multa é de, no mínimo, todos os salários que o atleta receberia até o final do contrato, e de no máximo 400 (quatrocentas) vezes o salário do atleta.
No caso do atleta, mesmo que encerre o contrato sem justa causa, ele apenas será obrigado a pagar multa caso o motivo da rescisão seja a sua ida para outro clube.
Se o atleta decidir encerrar o contrato para mudar de profissão ou de modalidade esportiva, a multa não se aplica.
O objetivo nesse caso é impedir que outros clubes comprem o atleta, desequilibrando os campeonatos. Contudo, se o atleta encerrar o contrato e em menos de 30 (trinta) meses for jogar em outro clube, o caso será considerado automaticamente como fraude e o atleta deverá pagar a multa.
Essa cláusula é chamada de cláusula indenizatória e terá valores diferentes se o atleta for transferido para outro clube brasileiro ou para um clube estrangeiro.
No caso de mudanças para outro clube brasileiro, a multa é limitada a 2.000 (duas mil) vezes o salário médio do atleta.
Nas mudanças para clube estrangeiro, por sua vez, não há limite de valor da multa. Nesse caso, o objetivo é que clubes internacionais de forte poder econômico não atrapalhem o esporte nacional.
Vejamos:
Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente: (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).
I – cláusula indenizatória desportiva, devida exclusivamente à entidade de prática desportiva à qual está vinculado o atleta, nas seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).
- a) transferência do atleta para outra entidade, nacional ou estrangeira, durante a vigência do contrato especial de trabalho desportivo; ou (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).
- b) por ocasião do retorno do atleta às atividades profissionais em outra entidade de prática desportiva, no prazo de até 30 (trinta) meses; e (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).
II – cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).
(…)
- 1º O valor da cláusula indenizatória desportiva a que se refere o inciso I do caput deste artigo será livremente pactuado pelas partes e expressamente quantificado no instrumento contratual: (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).
I – até o limite máximo de 2.000 (duas mil) vezes o valor médio do salário contratual, para as transferências nacionais; e (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).
II – sem qualquer limitação, para as transferências internacionais.
(…)
- 2º São solidariamente responsáveis pelo pagamento da cláusula indenizatória desportiva de que trata o inciso I do caput deste artigo o atleta e a nova entidade de prática desportiva empregadora. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).
(…)
- 3º O valor da cláusula compensatória desportiva a que se refere o inciso II do caput deste artigo será livremente pactuado entre as partes e formalizado no contrato especial de trabalho desportivo, observando-se, como limite máximo, 400 (quatrocentas) vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão e, como limite mínimo, o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato.
Com isso, não é mais aplicável ao atleta o disposto no artigo 479 da CLT, que prevê o pagamento de 50% do que o atleta profissional deveria receber até o término do contrato.
- Cessão temporária (contrato de empréstimo)
É possível a cessão ou transferência do atleta profissional de futebol, sendo regulada nos artigos 38, 39 e 40 da Lei 9.615/98.
O contrato de empréstimo é a cessão ou transferência temporária de um atleta por período não inferior a três meses e nem superior ao prazo restante para o término do contrato principal, realizada pelo clube empregador para outra entidade esportiva, que figurará no polo como nova empregadora.
O pacto, ainda, fica sujeito à cláusula de retorno, voltando a viger o antigo contrato caso o atleta regresse ao clube cedente, se o contrato originário ainda estiver em vigor.
O artigo 38, versa sobre a necessidade de uma formal e expressa anuência do atleta para que sua transferência seja legal. Entende-se que deve ser escrita.
Sendo conceituado pelo Jurista João Leal Amado como “um contrato por meio do qual uma entidade empregadora cede provisoriamente a uma outra, determinado trabalhador, conservando, no entanto, o vínculo jurídico-laboral que com ele mantém e, daí, a sua qualidade de empregador”.
- Seguro de vida e acidentes pessoais
O clube é obrigado a contratar um seguro de vida e acidentes pessoais para cobrir as atividades do atleta contratado. Sendo uma obrigação decorrente da legislação esportiva.
No entendimento do professor Álvaro Melo filho “o seguro desportivo tem o animus de cobrir os atletas profissionais, notadamente os de alto rendimento, contra o risco de óbito ou incapacidade desportiva, parcial ou total, temporária ou permanente, resultante de um acidente ou de uma agressão provocada pela rivalidade desportiva competitiva, posto que as disputas desportivas exigem dos atletas empenho, dedicação e esforço e, consequentemente, o risco próprio e inerente à atividade desportiva”.
A Lei Pelé (12.395/2011), conferiu a atual redação do artigo 45 e seus parágrafos, ampliando a cobertura de vida e não apenas contemplando o acidente de trabalho.
Referências Bibliográficas
Lei Pelé LEI Nº 9.615, DE 24 DE MARÇO DE 1998. Lei nº 12.395/2011.
VEIGA, Maurício de Figueiredo Corrêa da. Manual de direito do trabalho desportivo. São Paulo: LTr, 2016, p. 70.
FILHO, Álvaro Melo. Nova Lei Pelé: avanços e impactos. 1. Ed. Rio de Janeiro: Maquinaria, 2011, p. 2017.
ZAINAGHI, Domingos Sávio. A imediatidade e a rescisão indireta dos contratos de trabalho dos atletas de futebol. Revista brasileira de direito desportivo profissional. São Paulo: IOB Thomson, n. O 7, p. 57-60, -jun, 2005.
https://chcadvocacia.jusbrasil.com.br/artigos/237783159/9-coisas-que-voce-precisa-saber-sobre-o-contrato-de-trabalho-do-atleta-de-futebol – Acesso 10.08.20
https://www.wonder.legal/br/modele/contrato-trabalho-para-atleta-profissional Acesso 10.08.20
https://jus.com.br/artigos/67601/contrato-de-trabalho-do-atleta-profissional-de- futebol – Acesso 15.08.20
https://jus.com.br/artigos/66536/apontamentos-sobre-o-contrato-de-trabalho-do-atleta-profissional-de-futebol – Acesso 15.08.20
* Rodrigo Faria Bastos, advogado trabalhista, com especialização em direito do trabalho e processo do trabalho, direito previdenciário e direito civil e processo civil – sócio do escritório Arlete Mesquita & Rodrigo Bastos Advogados Associados.